Letramento em diversidade: curso do TST promove reflexões sobre Direito do Trabalho e pessoas trans - ASDIN- Assessoria de Acessibilidade, Diversidade e Inclusão
Evento foi realizado no TRT da 18ª Região (GO) nesta segunda (24) e terça (25)
26/06/2024 - “Estamos aqui a protagonizar um dia diferente na história da Justiça do Trabalho!”. A declaração é do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Brandão, ao discursar na abertura do quarto encontro do curso letramento em diversidade, idealizado pelo TST e realizado no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), em Goiânia, nesta segunda (24) e terça (25). Desta vez, o tema do curso foi “O que o direito do trabalho tem a aprender com as pessoas travestis e transexuais?”.
O assunto foi abordado em uma roda de conversa com as presenças de quatro mulheres trans, que compartilharam os desafios que já enfrentaram e suas experiências de vida. No auditório Vila Boa do TRT-18, estavam ministros, desembargadores, juízes e servidores dos 24 TRTs, pessoas da comunidade em geral, além de outras autoridades que se inscreveram para participar do curso.
As atividades foram realizadas no regional goiano e no Senai da Vila Canaã, bairro de Goiânia, onde os participantes tiveram a oportunidade de fazer uma imersão no projeto “Mais um Sem Dor”. A iniciativa, coordenada pelo Ministério Público do Trabalho, em parceria com o TRT-18, busca qualificar profissionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social para o mercado de trabalho.
Aceitar e respeitar
Ao abrir o evento, o presidente do TRT-18, desembargador Geraldo Nascimento, afirmou ter convicção de que o curso foi marcado por profundas reflexões a respeito do real sentido das palavras “aceitar” e “respeitar”. “Conviver com as diferenças é atitude que envolve três dimensões: lidar com as diferenças do outro, lidar com as nossas próprias diferenças e assumir uma postura clara diante das diferenças produzidas historicamente”, declarou.
Geraldo Nascimento disse que a aceitação e o respeito pelo outro envolvem a contemplação desse outro, que, por sua vez, só é possível a partir de um olhar que busque explorá-lo e entendê-lo. “Tal olhar caracteriza-se por ver o que ali está, sem acréscimos ou inferências. Ao olhar alguém com cabelo tricolor, por exemplo, enxergar o colorido e, no máximo, a ousadia do fato, mas não concluir e projetar imediatamente no outro a insanidade. Ao contemplar, eu descubro, entendo e aprendo com o outro. Eu acrescento o outro em mim e amplio minhas concepções e percepções”, destacou.
Para o presidente do Regional goiano, ao abordar as diferenças, é preciso perguntar a si mesmo: “Diferente de quê?”. Para ele, se há diferenças é porque há um padrão de igualdade previamente estabelecido, cuja análise lógica não pode deixar de ser feita. Por fim, o magistrado parafraseou o cantor e compositor Beto Guedes, dizendo que o discurso da prática já sabemos de cor, mas a prática do discurso ainda nos resta aprender.
Reflexão crítica
Na sequência, a ministra do TST Delaíde Arantes ressaltou que a pauta da diversidade representa uma dimensão formativa prioritária não apenas no âmbito do Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Assessores e Servidores do TST (Cefast), mas também da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (Enamat).
Delaíde explicou que o objetivo da capacitação é promover a reflexão crítica sobre o Direito do Trabalho a partir da diversidade, buscando ampliar a visão de mundo dos participantes com base em experiências e diálogos intelectuais com diversos atores sociais e em diferentes territórios políticos.
Idealizado pelo ministro Cláudio Brandão junto à equipe do Cefast, o curso tem o compromisso com a agenda da diversidade em suas diversas manifestações. “O curso reafirma a missão institucional da Enamat de promoção de uma formação humanista, voltada à construção de uma sociedade justa e fraterna”, destacou a ministra.
Inclusão
Fábio Cardoso, secretário do Conselho do Ministério Público do Trabalho e sub-procurador do Trabalho, representou o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Pereira. Em seu discurso, elogiou a iniciativa e destacou a importância de eventos com temas como este para levar a proteção do Direito do Trabalho a pessoas que são naturalmente excluídas da proteção do Estado.
Ele disse que um dos pontos culminantes do evento será a participação dos servidores e magistrados da Justiça do Trabalho no ‘Mais Um Sem Dor’. “Esse projeto vem promovendo a formação profissional por meio de qualificação técnica com o objetivo de levar ao mercado formal de trabalho pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, como moradores de rua, transexuais, travestis, imigrantes, ex-presidiários e outros”, explicou.
O procurador ressaltou que o cidadão é inserido na sociedade a partir do momento em que ele se insere no mercado consumidor e defendeu que a capacitação é a chave para a motivação dessas populações. “Mais trabalhadores, melhor qualificados, significam o aumento da produtividade. Isso aumenta as vendas do comércio, da indústria e beneficia, inclusive, a economia estatal que acaba por arrecadar mais impostos”, destacou ele.
Construindo a história
O ministro do TST Cláudio Brandão disse que o curso fez e está, de alguma forma, fazendo história e que mais uma pedra no alicerce da diversidade foi colocada por meio do evento. Ele falou sobre o ineditismo de ser este o primeiro curso de formação de servidores do TST realizado para além de suas dependências, sobre a parceria com a Enamat para proporcionar essa capacitação para servidores e magistrados de outros Estados e disse ter sido acertada a decisão de realizar o evento em Goiás, que conta com a iniciativa do projeto ‘Mais um Sem Dor’. “Quando levantamos as nossas amarras e partimos para enfrentar a temática difícil da diversidade, é por compreendermos que ela é essencial para a formação de todas as pessoas que lidam no sistema de Justiça”, declarou.
Cláudio Brandão destacou que os conhecimentos obtidos pelos alunos no curso serão capazes de formar o pensamento deles para ver o Direito de uma outra maneira. “Esse é o nosso objetivo: fazer com que cada um de nós seja tocado por uma emoção e que possamos, com esse leve toque da emoção, seguir adiante e combater todas as formas de preconceito. Ninguém, nesta caminhada de busca incessante de combate ao preconceito, pode e deve ficar de fora”, salientou.
O ministro agradeceu ao presidente do TRT-18 por ter confiado nessa parceria institucional com o TST para a realização do evento e por ter permitido que a história se fizesse no Regional.“Que sejamos tocados pela emoção”, finalizou.
Roda de conversa
O ministro Cláudio Brandão e o juiz André Machado Cavalcanti, coordenador substituto do Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT da 13ª (PB), participaram da roda de conversa com as mulheres trans. André Cavalcanti destacou que o momento foi histórico, de reconhecimento da diversidade pela Justiça do Trabalho. “Gostaria de ressaltar a importância dessa visibilidade na esperança de construir uma história que nos orgulhe”, afirmou.
Clarisse Mack foi a primeira mulher travesti a ingressar no curso de direito na Paraíba. Ela, que também é historiadora e lançará em breve um livro sobre transfeminismo jurídico, falou sobre o não lugar, a não existência e o não ser das pessoas travestis e transexuais. Clarisse trouxe a reflexão sobre ser a primeira travesti a cursar Direito em seu estado. “Ao mesmo tempo que é uma conquista, não basta ser a primeira, mas construir caminhos”, ressaltou.
Para a militante trans, é preciso rever a perspectiva da formação das nossas crianças e adolescentes. “A criação é toda heteronormativa”, acrescentou. De acordo com a ativista, a cisgeneridade é um discurso que é construído socialmente. “Nós trans somos consideradas anormais”, disse. Clarisse reforçou que temos que repensar o direito a partir da realidade brasileira. Pelo 14º ano consecutivo, somos o país que mais mata mulheres trans e travestis. “A prostituição é compulsória, como única fonte de renda, e por isso o direito do trabalho precisa ser efetivo, precisamos de programas efetivos e não apenas de atividade jurisdicional”, concluiu.
Emprego como necessidade
Leonora Bittencourt, educadora social e ativista na ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, é uma mulher transexual. Ela falou sobre a experiência que teve no TRT do Pará, com o programa empregabilidade e diversidade. “As pessoas esperam sermos um exemplo de estética, mas como a gente vai acessar os espaços, se não temos como sobreviver?”, questionou.
Ludymilla Santiago Carlos, travesti formada em comunicação e assessora parlamentar no Distrito Federal, afirmou que a marginalidade é a primeira porta que se abre e acolhe os corpos das pessoas travestis e transexuais. “As travestis e transexuais estão sendo mortas por simplesmente serem o que são”, disse.
Segundo a ativista, o Brasil é o país que mais mata e mais consome pornografia “com nossos corpos”. Para ela, a solução está em integrar as políticas de trabalho, de saúde e de educação. Ludymilla levanta ainda uma questão que deveria ser resolvida sem maiores discussões, que é o uso do banheiro. “Por que quando falamos de inclusão, começamos a falar de banheiro?”, questiona. “É surreal ter que resolver um problema tão simples como esse”, afirma.
Por fim, Cristiane Beatriz, da Rede Trans, falou sobre a importância de eventos como esse. “Estar aqui nesse espaço de fala para falar de nossas vivências e anseios e especificidades é um avanço e o primeiro aprendizado é de que nós somos seres humanos, cidadãs, não estamos pautando privilégios”, afirmou. Para ela, é preciso romper os ciclos de exclusão e a discriminação. “Temos que ter a certeza de que voltaremos à noite para casa porque ainda estamos discutindo o direito à vida”.
Aprendizado na prática
A programação do encontro incluiu duas oficinas no período da tarde, no Senai da Vila Canaã, onde também foi apresentado o projeto de empregabilidade ‘Mais Um Sem Dor’, do MPT-GO, que foi destaque em uma reportagem veiculada pelo Jornal Hoje, da TV Globo. Durante as oficinas, ministradas por pessoas trans e migrantes, os participantes discutiram os temas “migrantes, raça e violência de gênero” e “sexualidade: identidade de gênero e orientação sexual”.
Premiação
O evento foi encerrado na manhã desta terça-feira (25) no auditório Villa Boa, no TRT-18, com depoimentos de empresas sobre práticas de inclusão no ambiente de trabalho e a entrega do Selo Social Empresa Amiga da Diversidade a 15 empresas goianas.
Participaram do evento ministros e mais de 40 servidores do TST, juízes e servidores do TRT-18, pessoas da comunidade em geral, além de representantes dos comitês do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade dos 24 regionais trabalhistas.
O programa foi instituído em toda a Justiça do Trabalho por meio da Resolução CSJT n.º 368/2023.
Assista à filmagem do evento no Tribunal:
Segunda-feira (25):
Link para o vídeo "Letramento em Diversidade - 24/06/2024"
Terça-feira (26) - Parte 1:
Link para o vídeo "Letramento em Diversidade - 25/06/2024 - Parte 1"
Terça-feira (26) - Parte 2:
Link para o vídeo "Letramento em Diversidade - 25/06/2024 - Parte 2"
Fonte: TRT da 18ª Região (GO)
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